Frei Bento Domingues foi ontem homenageado num
plenamente cheio auditório da Fundação Gulbenkian. Ouvi falar sobre ele. Ouvi-o
a ele falar. E era imperativo escrever sobre esta figura que tanto me marcou, e
cada vez mais marca.
E é imperativo trazer Frei Bento à luz destas linhas porque
elas nunca lhe poderão corresponder. Por mais que martele nas teclas, delas
nunca daqui sairá o sorriso que é seu apanágio. Sim, em Frei Bento, é o seu sorriso
contagiante que mais facilmente nos deixa desarmados, provocando-nos um
inevitável transtorno. Um sorriso que é imagem do que devíamos dar a nós mesmos
como seres humanos - a arte de sorrir, o tão difícil keep on trying, smile, seguindo Chaplin. Frei Bento desarma-nos numa luta que
é o colocar-nos ao espelho. Essa é a sua principal arma.
E essa tal arma ele usa-a de forma tão simples e tão
desconcertante que muitas vezes nos deixa sem saber o que é acaso e o que é
pensado. De acaso nada tem, mas de pensado, muito menos. E é neste jogo de
tantos inesperados que por vezes deixamos de saber o que é a sério e o que é a
brincar, o que é crítica e o que é gozo, acima de tudo, o que é ironia (se o "a sério" tiver fronteiras muito definidas, reduzimos tudo aos maniqueismos simplistas de tudo arrumar em bom e em mau - não me parece que Frei Bento nos resuma e nos arrume dessa forma).
Há alguns anos, num baptizado, uma amiga, estupefacta com a
forma como o Frei Bento se entrosava com as crianças durante a cerimónia
religiosa, perguntava-me, espantada: "ele é sempre assim?". Pressenti
ainda uma segunda questão, encapotada na primeira: seria “estilo”?. Sim, ele é
sempre assim, disse eu, acrescentando como resposta à pergunta não feita, que
não era estilo, era feitio! E é mesmo. É feitio, é forma de ser e de agir que
sai espontaneamente, sem treino, sem pensar como sai na fotografia.
Estava ontem sentado num elegante sofá da fundação,
aguardando com a minha filha a conferência do Dimas de Almeida, quando ouço da
voz de uma jovem uma frase que reconheci logo. Dizia a jovem de pouco mais de
20 anos a alguém que poderia ser seu avô que ele, o Frei Bento, se o
encontrasse lhe perguntaria logo se era feliz.
Reconheço essa frase, essa forma de contender picando-nos
com uma afirmação que nos deixa descalços, uma frase que, no seu quê de aparentemente
simplista, nos reduz a um simples essencial: a felicidade.
É de uma simplicidade existencial que nos choca. Quantas
vezes paramos para nos perguntarmos se somos felizes? Esgotados no frenesim do
momento presente, um momento ao ritmo dos SMSs, dos telemóveis e dos facebooks que
nos geram amigos nunca vistos, vivemos estasiados por alegrias efémeras,
incapazes de felicidade prolongada.
E, voltando às crianças e aos sorrisos, tudo o mais, é a
máxima de Jesus, a figura que ele segue tão apaixonadamente. Se Jesus dizia
"deixai vir a mim as criancinhas", então Frei Bento ensina-nos e
pratica-o afincadamente, na simplicidade de ser criança. Sendo criança,
irrequieto, capaz de brincar, essencialista, Frei Bento solta-nos das amarras
de uma adultisse sem humanismo. O humanismo ele encontra-o e constrói-o no sempre
ser simples, como uma criança.
E como criança. No dia-a-dia das necessidades desse mesmo quotidiano,
Frei Bento faz algo a que damos o nome pomposo de Teologia. Mas não é isso o
que ele faz. É que o mais sábio de tudo é saber que os caminhos não se
encontram prontos, qual prêt-à-porter.
Não são os artigos certos dos catecismos e dos dogmas que nos indicam o caminho
a seguir. Ou melhor, indicar, indicam, deixa é de ser caminho. Porque o caminho
faz-se, na frase batida, caminhando, não seguindo.
Na irrequietude e na
inquietude, Frei Bento apenas nos diz o fundamental: Só sei que não vou por aí.