Frei Marcos de
Lisboa, na Primeira Parte das Chronicas da Ordem dos Frades Menores do
Seraphico P. S. Francisco (1557), indica a data de 15 de agosto de 1195
para o seu nascimento. Contudo, não há certezas sobre essa data. É também Frei
Marcos de Lisboa, já no século XVI, vários séculos após a vida do santo, a
«fixar» a paternidade, apontando os nomes de Martinho de Bulhões e Teresa
Taveira. O seu nome da batismo passa a ser, comummente, Fernando de Bulhões.
Os seus estudos
terão tido início na Igreja de Santa Maria Maior, dos cónegos regrantes da
Ordem de Santo Agostinho, tendo ingressado na Ordem, no Mosteiro de S. Vicente
de Fora, por volta dos 20 anos de idade. Terá estado pouco tempo no mosteiro em
Lisboa, tendo-se mudado para o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.
Terá sido aí, em
Coimbra, enquadrado pela impressionante biblioteca monacal que os Padres
Crúzios tinham organizado, que ele terá obtido as bases do seu pensamento
teológico e o conhecimento dos grandes autores que marcavam o pensamento
cristão.
A sua ordenação
sacerdotal terá sido, provavelmente, entre 1219 e 1220, por volta dos 25 anos
de idade.
Terá sido por
esta altura que se deu um episódio marcante na vida e no sentido de missão de
Fernando de Bulhões. Aqueles que viriam mais tarde a ser conhecidos como os
Mártires de Marrocos passaram pelo Mosteiro de Santa Cruz, pregando e
instruindo, antes da sua derradeira viagem. Ora, tocado pela pregação destes
homens, Fernando adere à sua interpretação da missão, ao vir a tomar
conhecimento do epílogo fatídico dessa viagem.
Fernando
abandona Santa Cruz de Coimbra e junta-se a outros franciscanos, no eremitério
de Santo Antão nos Olivais. Muda então o seu nome para António, numa profunda
invocação a Santo António do Deserto (Antão do Egito, «fundador» do monaquismo
cristão, nos séculos IV-V).
Procurando o seu
sentido de missão, embarca para Marrocos no início de outubro de 1220. Não
voltará mais a Portugal. E conta a tradição que teve de abandonar o seu
objetivo de missão devido a uma doença. No regresso, uma tempestade leva-o para
a Sicília, onde se recolhe num convento franciscano em Messina. Estaríamos,
então, na Páscoa de 1221.
Terá sido ainda
nesta primavera de 1221 que António se embrenhou mais ainda na vida
franciscana. Em maio, integrou o grupo de frades que se deslocaram a Assis onde
se realizava o Capítulo Geral da Ordem, com a presença do próprio Francisco.
No final do
Capítulo, António terá criado uma maior proximidade com o novo Provincial da
Romanha, Frei Graciano. Foi, então, enviado para o eremitério de Montepaolo,
onde passará 15 meses em meditação e disciplina profundas.
Para além das
pias atitudes e do sentido profundo de missão, António faz-se notar como grande
orador e excelente teólogo quando, nesse período, participa numa cerimónia de
ordenação de Irmãos, tomando da palavra, aparentemente de improviso, perante
uma grande assembleia de Franciscanos e de Dominicanos.
Marcado um
estilo, no Capítulo Provincial seguinte, António foi o escolhido como pregador
na província da Romanha, e viu o seu estatuto reforçado, na Ordem, quando, em
novembro de 1223, o papa Honório III sancionou a versão final da Regra da Ordem
Franciscana, em que a oratória e a erudição foram contempladas como parte
integrante da formação e da ação dos frades, se bem que sob a condição de
estarem subordinadas ao trabalho manual, à prece e à vida espiritual. Neste
sentido, é o próprio Francisco de Assis que o convida para ingressar na Casa de
Estudantes que a Ordem abrira em Bolonha.
O seu lugar de
relevo no seio da Ordem torna-se cada vez mais significativo, quer dentro dos
objetivos da fraternidade fundada por Francisco, quer na política papal da
época. Logo em setembro de 1224, António foi enviado para Montpellier e
Toulouse, para pregar em meios onde cresciam preocupantemente movimentos
heréticos.
Em termos de
cargos e funções, o seu caminho também foi rápido na hierarquia: quando, em
1226, participou do Capítulo Provincial em Arles, foi eleito custódio da
província de Limoges, e quando, após a morte de Francisco, houve necessidade de
apresentar a Regra da Ordem ao Papa, António foi o escolhido para ser recebido por
Gregório IX. Em 1227, João Parente, eleito sucessor de Francisco, nomeou-o
provincial da Romanha.
Foi apenas em
1230 que António se estabeleceu em Pádua. Terá sido nessa data que pediu ao Papa
a dispensa do cargo de provincial para se dedicar exclusivamente à pregação.
Contudo, a vida de António seria curta. Com cerca de quarenta anos, em 1231,
adoeceu gravemente. Retirado para um eremitério nos arredores da cidade, pediu
para regressar, assim que sentiu estar próximo o seu último momento. Não chegou
a entrar vivo na cidade, falecendo no convento das clarissas de Arcella, junto
a Pádua, a 13 de junho.
O seu corpo foi
levado e sepultado na Igreja de Nossa Senhora de Pádua. Em 1263, os seus restos
mortais foram depositados na Basília que tomou o seu nome: Santo António de
Pádua. No processo de trasladação, a sua língua foi encontrada incorrupta,
facto considerado milagroso e demonstrador da sua santa oratória. S.
Boaventura, presente nesse momento, afirmou ser esse o milagre da prova de que
a sua pregação era inspirada por Deus. Por isso, desde então, a Palavra foi
considerada como significado maior da missão de António, e à luz dessa longa
tradição, foi proclamado Doutor da Igreja, em 1946, pelo papa Pio XII.
Desde cedo
começaram a ser passadas a escrito algumas das suas prédicas ou sermões, que
rapidamente se tornam guias para irmãos e restantes sacerdotes.
Mais que
escritos, nasceram muitas lendas, sendo o famoso milagre do «sermão aos peixes»
dos que mais contribuiu para a difusão da imagem de santidade de António. O padre António Vieira deu uma dimensão ainda
maior a esta lenda, em torno da sua pregação em Rimini, quando os hereges a
quem se dirigia o não quiseram ouvir, levando o franciscano a decidir-se por
pregar às aquáticas criaturas, talvez mais capazes de o escutar.
Pregado em S. Luís do Maranhão, decorria o ano de 1654, Vieira afirma:
Pregava Santo António em Itália na cidade de Arimino,
contra os hereges, que nela eram muitos; e como erros de entendimento são
dificultosos de arrancar, não só não fazia fruto o santo, mas chegou o povo a
se levantar contra ele e faltou pouco para que lhe não tirassem a vida. Que
faria neste caso o ânimo generoso do grande António? Sacudiria o pó dos
sapatos, como Cristo aconselha em outro lugar? Mas António com os pés descalços
não podia fazer esta protestação; e uns pés a que se não pegou nada da terra
não tinham que sacudir. Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia?
Dissimularia? Daria tempo ao tempo? Isso ensinaria porventura a prudência ou a
covardia humana; mas o zelo da glória divina, que ardia naquele peito, não se
rendeu a semelhantes partidos. Pois que fez? Mudou somente o púlpito e o
auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias;
deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: Já que me não
querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes. Oh maravilhas do Altíssimo! Oh
poderes do que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a
concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos por
sua ordem com as cabeças de fora da água, António pregava e eles ouviam.
Da mesma forma,
o elemento que será, para sempre, a marca distintiva da sua iconografia – o Menino
sentado em cima de um livro aberto nas suas mãos –, reflete muito bem uma
sinonímia criada pelo acaso: o Menino que do frade se aproximou e por ele fora
trazido para o improvisado colo, como que embevecido pelas palavras que da sua
boca ecoavam, é a dupla imagem, quer do episódio de Jesus em que pede que
deixem vir a si as criancinhas, as mais puras e as únicas, talvez, a conseguir
aceder às suas palavras, mas é também como que imagem do próprio Menino Jesus
como muito popularmente se crê, como que validando essas mesmas palavras tidas
por inspiradas – na mais pura forma, como criança, é o Verbo de Deus a sair do
texto das suas palavras.
Em Lisboa, as
festas em sua honra marcam atualmente o calendário de forma inquestionável. Já
o marcariam quando, na instauração da República, estas festas eram um lugar de
apaziguamento entre as autoridades republicanas muitas vezes anticatólicas e a
população que adere de maneira quase automática às festas do seu Santo.
As atuais
festividades, com centro nas Marchas e nos Casamentos de Santo António, são
criações da década de 30 do século XX, numa tentativa de «domesticar» a
dimensão de folia que se viveria no bairro antigo de Alfama. É ainda neste
bairro, longe da avenida, onde as ditas Marchas desfilam de forma ordenada,
numa formatura quase militar, que se juntam anualmente, na noite de 13 de
junho, centenas de milhares de pessoas, para festejar o popular e folgazão
Santo António que, nessa ocasião, não é comemorado como orador e lutador contra
hereges, e muito menos como eremita, mas sim como o jovem que, nas muitas
fontes dessa colina, abordava as jovens donzelas.
Mantém-se ainda
profundamente enraizado, na memória alfacinha, um largo número de tradições em
torno do Santo, que apenas o conhece por Santo António de Lisboa, de forma
inquestionável e quase bairrista, do qual emerge um poder quase mágico para
fazer aparecer artefactos perdidos. O Responso
ao Santo, oração que tem de ser recitada sem engano algum, ainda hoje é das pagelas
mais vendidas na sua igreja, mesmo junto à Sé de Lisboa, em Alfama.
Hoje, este santo
é uma das mais importantes marcas do cristianismo católico e solo português.
São quase sem número as igrejas a ele dedicadas, assim como festas,
instituições, escolas e tudo o mais que possamos imaginar com peso na
sociedade.
Sem dúvida,
Santo António pode não ser de Lisboa, reclamado por Pádua, mas é-o dos
portugueses, da sua identidade.
bom dia: gostaria de assinalar que a citação deste post está numa cor escura que dificulta a leitura. não se consegue ler.
ResponderEliminarobrigado.